A definição de arte global proposta implica,
dentre outras coisas, em uma percepção inter-relacional da arte, na medida em
que arte existe (1) na percepção dessa sensação pelo, ou no raciocínio do
espectador, (2) na sua relação com a obra; (3) e que a arte se faz no
julgamento do outro.
Mas antes disso a arte pressupõe (o que também
está anotado na definição global de arte) um fazer consciente do artista, capaz
de reproduzir, construir, ou expressar uma experiência, por meio de sua
poética, que é o salto entre o planejar e o ser sucedido através do qual a obra
de arte distingue-se em sua unicidade e insubstituibilidade. A poética é,
portanto, a teia coerente que une todos os pontos do fazer.
Nesse sentido estão indissociados da
compreensão da arte: 1. o fazer artístico; 2. a compreensão que se tem de arte
no tempo no qual a obra foi realizada; e 3. a relação dos espectadores com a
obra. A ordem proposta não é aleatória. A relação entre o fazer e o recepcionar
dos atores da arte está mediada, muitas vezes, pelo tempo entre o que a obra
foi realizada e que a obra foi exibida e essa mediação, na maioria dessas
vezes, é crucial e mais relevante que as pontas da comunicação.
Na Arte contemporânea é comum que o
"terceiro" tenha um poder maior ao determinar o que é a arte atual. O
contato imediato obra-espectador, sem mediação do tempo, faz com que as
incompreensões com o objeto artístico precise de mediação de
"especialistas" e que o debate de o que é ou o que não é arte dê o
tom na ordem do dia.
Essa importância ao terceiro não é
exclusividade da pós-modernidade. Na pós modernidade o importante é o curador,
mas já foi o crítico moderno e o mecenas renascentista, ou seja, na arte do
momento, o terceiro “especialista” ganha mais força em virtude da falta de
mediação do tempo.
Nesse sentido, retomo as notícias da descoberta
de “novas” Monalisa e Medusa e a
diferença de tratamento dado às descobertas pelas instituições responsáveis,
que em última instância, demonstram a diferença de entendimento da própria
arte.
A descoberta de uma Monalisa realizada por um
dos discípulos preferidos de Da Vinci ao mesmo tempo em que o mestre realizava
o seu original recebe um tratamento de destaque pelo Louvre, que a exporá, juntamente
com a original, em breve, bem como do Museu do Prado, que a detém e que dá a
ela o tratamento de “transformar a nossa compreensão da mais famosa pintura do
mundo”[1].
A proposta do museu (terceiro) diante da obra
(artista) realizada em tão longínquo tempo é expô-la juntamente com o original
para comparações e para ressignificar a própria obra icônica, entendimento de
que “essas cópias são como uma fotografia do original em um certo momento de
sua execução”[2].
A Galeria Uffizi por sua vez, rechaça a possibilidade
de expor a segunda Medusa ainda que ela seja a verdadeiramente original e que
todos os mistérios acerca da realização da obra consagrada (falta de desenho
preparatório, fala de estudos, como se Caravaggio houvesse num rompante pintado
em escudo côncavo, sem hesitações, criado uma obra prima) tenha sido deslindado
com a recente descoberta, cheia de desenhos por debaixo da pintura ultimada[3].
Sob o argumento de que "não é a primeira
vez que descobrem uma cópia ou versão que seria mais bela e mais original do
que a antiga (...) estudiosos têm o direito de achar o que quiserem, mas, se
fôssemos expor tudo que descobrem aqui, o museu viraria uma feira"[4],
a Galeria Uffizi descartou a possibilidade de realizar, como o Louvre uma
exposição comparativa, ainda que não se trate de cópia, mas de outra obra,
diferentemente da nova Monalisa descoberta.
É uma pena que curadores atuais de arte de um
tempo passado clamem para si o papel do mediador de arte contemporânea e que
não se deem o distanciamento necessário para a compreensão e o reconhecimento
que a essa obra da arte barroca merece. A Galeria Uffizi assim, parece
desconhecer inclusive o papel de museu na época das obras que guarda - os
Gabinetes de Curiosidades - e também do museu atual, como lugar de propostas de
discussão.
[1] http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1042424-museu-do-prado-anuncia-descoberta-de-copia-da-mona-lisa.shtml
[2] Louvre expõe as duas versões
da "Mona Lisa". Folha.com, Ilustrada, 29.02.2012, disponível em http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1068138-louvre-expoe-as-duas-versoes-da-mona-lisa.shtml, acessado 29.03.12
[3]
MARTÍ, Silas. Nova Medusa de Caravaggio é descoberta em
coleção na Itália. Folha.com, Ilustrada, 29.02.2012, disponível em http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1055188-nova-medusa-de-caravaggio-e-descoberta-em-colecao-na-italia.shtml, acessado 29.03.12
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