A consequência do desenho passar a existir
enquanto matéria é a sua liberação do papel. O desenho ganhou também a
possibilidade de existir no espaço. Essa
trajetória do desenho pode ser encontrada na própria pesquisa de Edith Derdyk
(1955 - ), conforme Joedy Bamonte[1],
que refaz o percurso da artista da linha desenhada no papel à linha
constitutiva do “corpo que se estendia no espaço”. A base do trabalho de Derdyk
é o desenho[2],
indiscutivelmente.
Ocorre que Fred Sandback (1943-2003) também
realiza trabalhos dispondo linhas de costura no espaço. No entanto, seus
trabalhos, de cunho minimalista são identificados pelo próprio artista como
esculturas[3].
Temos, então, dois artistas cujo trabalho
trazem em si a mesma materialidade (linha de costura disposta no espaço) e, no
entanto, são alocadas em campos de ação e linguagens artísticas distintas, o
desenho e a escultura. Qual a diferença entre os dois trabalhos que resulta em categorização e leitura tão
distintas?
A problematização não é nova. Jacopo Crivelli
Visconti[4]
sobre Edith Derdyk diz que “seus desenhos são, eles mesmos, esculturas. Longe
de ser apenas simulacros, são feitos da própria matéria de que são feitas as
esculturas, e delas ontologicamente inseparáveis”. E tanto Ingrid Rein[5]
quanto Stephen Prokopoff[6]
questionam Sandback quanto a categorização de seu trabalho, demonstrando algum
estranhamento com esse entendimento. Nós mesmo já havíamos levantado essa
questão quando realizamos a curadoria da exposição de Andrea D’Amato[7]
e na ocasião sugerimos tratar-se de uma diferença de experiências, expectativas
e discursos que acabam por imprimir alterações no resultado final”, a linha
pincelada versus linha projetada.
De fato, ao realizarmos um levantamento sobre
as poéticas e objetivos de Derdyk e Sandback é possível verificar uma diferença
substancial de processo e de investigação, de modo que a categorização dos
trabalhos não pode realmente ser a mesma, embora apresentem materialidade
idêntica.
Sandback afirma categorizar seus trabalhos
como esculturas uma vez que seus trabalhos relacionam-se com situações
espaciais complexas e tridimensionais e que seus trabalhos são seus modos
particulares de complicar e articular uma dada situação e um dado espaço[8].
Sandback vai além, dizendo que suas
linhas não são destilações e refinamentos de nada, são apenas fatos que não
representam nada além de si[9].
E diferentemente do quanto apontado por
Bamonte em Derdyk, o trabalho de Sandback teve início na investigação de
perímetros de volumes imaginários[10]
e, inicialmente, suas linhas tentavam descrever os limites de um sólido
retangular no chão e, portanto, continham todo o senso de contenção que o
referia ao objeto escultural. No entanto, com o desenvolvimento, o seu trabalho
passou da questão da contenção para uma situação na qual a escultura “vira para
fora” e se coloca em pé de igualdade com
o observador nem espaço pedestre.[11]
Esse
processo e a questão poética concernentes ao trabalho são completamente
distintas da preocupação pelos “elementos mínimos para o desenho se constituir
como uma linguagem” presentes em Derdyk. O seu processo de acúmulo de material
que transborda, que da rasura no papel ganha o espaço pela impossibilidade de
se constrangem em um suporte, dão à sua linha a característica oposta a de
Sandback de ser ela mesma uma indicação de outra coisa: a sua linha revelaria o
trabalho do próprio “tempo revelando os restos de uma passagem (...) e
transforma-se em matéria da ausência”[12]
Temos então trabalhos tão distintos na sua
origem e que em sua materialidade similar problematizam questões tão díspares
quanto a matéria e o volume. Nesse sentido, os trabalhos só poderiam mesmo ser
colocados em categorias distintas como o desenho e a escultura.
[1] BAMONTE, Joedy Luciana B.
M., O desenho como iminência do acontecimento: uma entrevista com Edith Derdyk,
disponível em
http://www.educacaografica.inf.br/wp-content/uploads/2011/06/06_O_Desenho_como.pdf,
acessada em 15.04.12
[2] MESQUITA, Ivo. Edith Derdyk:
Onda Seca, 2007, disponível em
http://www.edithderdyk.com.br/portu/depo2.asp?flg_Lingua=1&cod_Depoimento=38,
acessado em 15.04.12
[3] Interview by Ingrid
Rein, 1975, disponível em http://fredsandbackarchive.org/atxt_1975rein.html,
acessado em 15.04.12
[4] VISCONTI, Jacopo Crivelli.
Esculturas desenhadas, 2009, disponível em
http://www.edithderdyk.com.br/portu/depo2.asp?flg_Lingua=1&cod_Depoimento=45,
acessado 15.04.12.
[5] Interview by... cit.
[6] An Interview: Fred Sandback and Stephen
Prokopoff, 1985, disponível em http://fredsandbackarchive.org/atxt_1985proko.html
acessado 15.04.12.
[7] Exposição: Andrea D'Amato -
Busca do Espaço, disponível em
http://marianadu-arte.blogspot.com.br/2012/03/exposicao-andrea-damato-busca-do-espaco.html,
acessado 15.04.12.
[8] No original: “My sculptures have to do with complex,
three-dimensional spatial situations. I regard them as my particular way of
complicating and articulating the given situation, the existing space, in our
case the Kunstraum München with its three rooms” em Interview by... cit.
[9] No original:
“A sculpture
made with just a few lines may seem very purist or geometrical at first. My
work isn’t either of these things. My lines aren’t distillations or refinements
of anything. They are simple facts, issues of my activity that don’t represent
anything beyond themselves. My pieces are offered as concrete, literal
situations, and not as indications of any other sort or order” em Statements, 1977, disponível em
http://fredsandbackarchive.org/atxt_1977stat.html acessado em 15.04.2012.
[10] An Interview... cit.
[11] Idem
[12] MASAGÃO, Andrea Menezes. Da
sutura a rasura: A costura de Edith Derdyk , disponível em http://www.edithderdyk.com.br/portu/texto_rasuras_andrea%20masagao.pdf
acessado em 15.04.2012.
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