Verificamos que o “campo da arte que se
expressa pela apropriação artística do livro, em ideia ou pela forma, por meios
gráficos ou plásticos, persistindo o livro na criação final, ainda que
remissivamente ou remotamente, ou ainda pela sua negação e ausência” é o campo
do livro do artista, lato senso.
Esses, inequivocamente, distinguem-se dos
livros de arte, que tratam simplesmente do artista. Livros de arte são livros
comuns que trazem como assunto crítica de arte, catálogos de artistas, museus,
pintura, esculturas e demais linguagens da arte, recheados de fotos numa
impressão especial.
Waltércio Caldas conseguiu na sua obra
“Velázquez” (1996), transformar um livro de arte em livro de artista,
apropriando-se artisticamente desses livros, e atuando pela sua negação,
desfocando e esvaziando as obras e textos ali impressos, com o propósito de
discutir o fluxo da arte, os livros e a própria obra de Velázquez:
No livro Velázquez13 sugiro que as questões impressionistas foram
prematuramente tratadas por este artista (1599-1660), que pintava imaginando
que o espectador veria suas imagens de uma distância maior. A pintura
impressionista nublava ainda mais o olhar, abstraía mais. Velázquez, de certa
maneira, revelava um "desfoque" peculiar em sua pintura -
"desfoque" que o impressionismo utilizará depois. Faço essa digressão
para ilustrar minha idéia de fluxo nas questões da arte. Considerando os livros
em uma biblioteca, notaremos que um livro sobre a Gruta de Lascaux está próximo
a um livro sobre Matisse ou Picasso, e estes junto a outros livros de arte do
século XVIII e assim por diante. A tendência é que todos estes conhecimentos
sigam se acumulando de forma atribulada. Minha intenção ao utilizar a história
da arte como matéria plástica é dar crédito a esse fluxo.[1]
Agora, em 2012, Guto Lacaz apropria-se do
mesmo objeto, os livros de arte, para transformá-los em livros-objetos, criados
a partir quebra da forma convencional do livro, rompendo as fronteiras
atribuídas aos livros de leitura, assumindo de vez o livro como objetos de arte.
Em cartaz no Centro Cultural Maria Antonia até
24 de junho de 2012 a exposição
Eletro-livros de Guto Lacaz reúne 16 “peças construídas a partir de publicações
escolhidas pelo artista em sua biblioteca pessoal”[2]
tratando de arte moderna ou dos primórdios da arte contemporânea nos quais o
artista deu vida a partir das estruturas eletromagnéticas a eles associadas.
Com a proposta, o artista dá vida às obras de
arte nas quais o nosso contato “se dá de modo indireto, justamente por meio de
reproduções em livros que tentam suprir a falta de exemplares originais em
nossas maiores instituições”[3].
Em cada obra, um livro de arte é aberto na página
da foto da obra que se pretende discutir/ homenagear e um mecanismo
eletromagnético é disposto junto ao livro de modo que a obra ali representada,
seja tridimensionalizada e ganhe um movimento real. Yves Klein, Flávio de
Carvalho, Joseph Beuys, Sacilotto, Mondrian, Magritte, são todos trazidos a
vida por uma colagem científica de livro e mecanismo.
Os livros de Lacaz, assim, reconhecem e
reforçam a condição de veículo do livro impresso, mencionada por SILVEIRA e,
nele introduz elementos inovadores de leituras, ao mesmo tempo enaltecendo do
uso da página como tal mas imobilizando e descontruindo o a possibilidade de
leitura tradicional.
Seus trabalhos são livros-objetos por
excelência, pois reafirmam os valores plásticos auráticos (pictóricos ou escultóricos)
tradicionais” mencionados por SILVEIRA e,
[a] estrutura livro passa a ser capturada pela estrutura plástica
e vemos nascer uma outra forma expressiva. O livro-objeto é um cruzamento de
forças que estabelece um novo campo, ao exorbitar os limites e ao se configurar
nos vazios criados tanto pela literatura quanto pelas artes visuais[4].
A exposição está em cartaz no Centro Universitário Maria Antônia até 24 de junho.
Rua Maria Antônia, 294 - Vila Buarque - CentroTer a sex das 10h às 21h, Sáb, Dom e feriados das 10h às 18h(11) 3123-5200 Estac. (R$ 12, no nº 176 - convênio)
[1] HONÓRIO, Thiago. Meio-ato /
entrevista com Waltercio Caldas, publicada em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1678-53202006000200002&script=sci_arttext#back,
acessado em 08.05.12. A entrevista foi publicada integralmente em HONÓRIO,
Thiago. Ensaio. 2006. Dissertação (Mestrado) - Escola de Comunicações e Artes
da Universidade de São Paulo (ECA/USP), São Paulo, 2006.
[2] MAIA ROSA, Rafael Vogt. Guto
Lacaz: Eletro-livros, in: Catálogo “Exposições” Centro Cultural Maria Antonia,
2011.
[3] Idem.
[4] TERÇA-NADA, Marcelo.
Livro-objeto, Revista Etcetera #9 - Artes Visuais, 2000, disponível em
http://marcelonada.redezero.org/artigos/livro-objeto.html, acessado em 08.05.12
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