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terça-feira, 12 de junho de 2012

Campos invadidos


A consequência do desenho passar a existir enquanto matéria é a sua liberação do papel. O desenho ganhou também a possibilidade de existir no espaço.  Essa trajetória do desenho pode ser encontrada na própria pesquisa de Edith Derdyk (1955 - ), conforme Joedy Bamonte[1], que refaz o percurso da artista da linha desenhada no papel à linha constitutiva do “corpo que se estendia no espaço”. A base do trabalho de Derdyk é o desenho[2], indiscutivelmente.

Ocorre que Fred Sandback (1943-2003) também realiza trabalhos dispondo linhas de costura no espaço. No entanto, seus trabalhos, de cunho minimalista são identificados pelo próprio artista como esculturas[3].

Temos, então, dois artistas cujo trabalho trazem em si a mesma materialidade (linha de costura disposta no espaço) e, no entanto, são alocadas em campos de ação e linguagens artísticas distintas, o desenho e a escultura. Qual a diferença entre os dois trabalhos  que resulta em categorização e leitura tão distintas?

A problematização não é nova. Jacopo Crivelli Visconti[4] sobre Edith Derdyk diz que “seus desenhos são, eles mesmos, esculturas. Longe de ser apenas simulacros, são feitos da própria matéria de que são feitas as esculturas, e delas ontologicamente inseparáveis”. E tanto Ingrid Rein[5] quanto Stephen Prokopoff[6] questionam Sandback quanto a categorização de seu trabalho, demonstrando algum estranhamento com esse entendimento. Nós mesmo já havíamos levantado essa questão quando realizamos a curadoria da exposição de Andrea D’Amato[7] e na ocasião sugerimos tratar-se de uma diferença de experiências, expectativas e discursos que acabam por imprimir alterações no resultado final”, a linha pincelada versus linha projetada.

De fato, ao realizarmos um levantamento sobre as poéticas e objetivos de Derdyk e Sandback é possível verificar uma diferença substancial de processo e de investigação, de modo que a categorização dos trabalhos não pode realmente ser a mesma, embora apresentem materialidade idêntica.

Sandback afirma categorizar seus trabalhos como esculturas uma vez que seus trabalhos relacionam-se com situações espaciais complexas e tridimensionais e que seus trabalhos são seus modos particulares de complicar e articular uma dada situação e um dado espaço[8].  Sandback vai além, dizendo que suas linhas não são destilações e refinamentos de nada, são apenas fatos que não representam nada além de si[9].

E diferentemente do quanto apontado por Bamonte em Derdyk, o trabalho de Sandback teve início na investigação de perímetros de volumes imaginários[10] e, inicialmente, suas linhas tentavam descrever os limites de um sólido retangular no chão e, portanto, continham todo o senso de contenção que o referia ao objeto escultural. No entanto, com o desenvolvimento, o seu trabalho passou da questão da contenção para uma situação na qual a escultura “vira para fora” e se coloca  em pé de igualdade com o observador nem espaço pedestre.[11]

Esse processo e a questão poética concernentes ao trabalho são completamente distintas da preocupação pelos “elementos mínimos para o desenho se constituir como uma linguagem” presentes em Derdyk. O seu processo de acúmulo de material que transborda, que da rasura no papel ganha o espaço pela impossibilidade de se constrangem em um suporte, dão à sua linha a característica oposta a de Sandback de ser ela mesma uma indicação de outra coisa: a sua linha revelaria o trabalho do próprio “tempo revelando os restos de uma passagem (...) e
transforma-se em  matéria da ausência”[12]

Temos então trabalhos tão distintos na sua origem e que em sua materialidade similar problematizam questões tão díspares quanto a matéria e o volume. Nesse sentido, os trabalhos só poderiam mesmo ser colocados em categorias distintas como o desenho e a escultura.



[1] BAMONTE, Joedy Luciana B. M., O desenho como iminência do acontecimento: uma entrevista com Edith Derdyk, disponível em http://www.educacaografica.inf.br/wp-content/uploads/2011/06/06_O_Desenho_como.pdf, acessada em 15.04.12
[2] MESQUITA, Ivo. Edith Derdyk: Onda Seca, 2007, disponível em http://www.edithderdyk.com.br/portu/depo2.asp?flg_Lingua=1&cod_Depoimento=38, acessado em 15.04.12
[3]  Interview by Ingrid Rein, 1975, disponível em http://fredsandbackarchive.org/atxt_1975rein.html, acessado em 15.04.12
[4] VISCONTI, Jacopo Crivelli. Esculturas desenhadas, 2009, disponível em http://www.edithderdyk.com.br/portu/depo2.asp?flg_Lingua=1&cod_Depoimento=45, acessado 15.04.12.
[5] Interview by... cit.
[6]  An Interview: Fred Sandback and Stephen Prokopoff, 1985, disponível em http://fredsandbackarchive.org/atxt_1985proko.html acessado 15.04.12.
[7] Exposição: Andrea D'Amato - Busca do Espaço, disponível em http://marianadu-arte.blogspot.com.br/2012/03/exposicao-andrea-damato-busca-do-espaco.html, acessado 15.04.12.
[8] No original: “My sculptures have to do with complex, three-dimensional spatial situations. I regard them as my particular way of complicating and articulating the given situation, the existing space, in our case the Kunstraum München with its three rooms” em Interview by... cit.
[9] No original:A sculpture made with just a few lines may seem very purist or geometrical at first. My work isn’t either of these things. My lines aren’t distillations or refinements of anything. They are simple facts, issues of my activity that don’t represent anything beyond themselves. My pieces are offered as concrete, literal situations, and not as indications of any other sort or order” em  Statements, 1977, disponível em http://fredsandbackarchive.org/atxt_1977stat.html acessado em 15.04.2012.
[10] An Interview... cit.
[11] Idem
[12] MASAGÃO, Andrea Menezes. Da sutura a rasura: A costura de Edith Derdyk , disponível em http://www.edithderdyk.com.br/portu/texto_rasuras_andrea%20masagao.pdf acessado em 15.04.2012.

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