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sábado, 7 de novembro de 2009

WebArte: photographieretouchee


(Obra realizada juntamente com Renan Marcondes e Cris Garcia)


Imagens disponíveis em http://www.wix.com/renanmc/photographieretouchee



Em O Sofista, Platão, desde o século V a.c., já dizia que a imagem não é a verdade, mas apenas um simulacro do seria a realidade. E o semelhante “muito embora realmente não exista, ele é realmente o que denominamos imagem[1]. Desde sempre, portanto, as questões ligadas à representação – e as pinturas e esculturas mais especificamente – sempre tiveram de lidar com o ilusório, até o advento da fotografia.

A representação concreta da fotografia, inclusive, foi o motivo da sua contestação enquanto  obra de arte[2] e largo uso das ciências. A fotografia teria o condão de “transferir a realidade da coisa para sua reprodução[3].

Essa visão do final do século XIX, porém embora encontre contestação, parece, incrivelmente, resistir aos tempos. Se Boris Kossoy[4] atualmente, divulga as  questões relacionadas às ficções da fotografia, circulam por aí, no Brasil, Grã Bretanha e França, principalmente, projetos de lei para controlar a manipulação de imagens sob a justificativa de que “na fotografia existe a falsa impressão de transposição da realidade, nua e crua, para a imagem. Há a crença na veracidade absoluta da fotografia, como se ela fosse um método de fixação da realidade em uma imagem” em oposição ao que seria, nas artes, “a plena noção de que se trata tão somente de uma visão do artista acerca da realidade, transportada para um determinado suporte[5].

A idéia de realidade da fotografia, ainda anteriormente à discussão de manipulação digital das imagens, não poderia ser menos verdadeira. Conforme o citado Kossoy, uma vez que todas as imagens são montadas, seja através do melhor ângulo, visão ou enquadramento buscados pelo fotógrafo, até mesmo a fotografia traria em si uma imagem relativa, retratando algo conforme a ideologia, conceitos, bagagens cultural, daquele que fotografa. A foto constrói realidades e também é simulacro, também é o semelhante que, na verdade, não existe.

Como também é menos verdadeira a visão romântica da manipulação do artista nas obras de arte. Nem sempre as imagens nas artes carregaram a plena noção de visão do artista acerca da realidade e nem toda a manipulação do artista voltou-se à representação do belo. De fato, a arte das esculturas clássicas, das pinturas renascentistas, e até mesmo a arte moderna eram financiadas, encomendadas por aqueles que detinham poder e que desejavam divulgar e perpetuar a sua ideologia e visão da história.

Segundo Marc Ferro[6] controlar o passado ajuda a dominar o presente e legitima tanto as dominações como as revoluções. Embora falando do presente o objetivo de manipulação não é exclusividade da vida contemporânea e nem foi privilégio do passado.

A arte, assim, muito antes da possibilidade da manipulação digital das imagens e da própria fotografia, sempre foi instrumento da construção de imaginários e controle dos relatos dos acontecimentos, a depender do seu artista, financiador ou solicitante.

E se ninguém pode “falar de discursos ou opiniões falsas, ou de simulacros e de imagens, de imitações e de aparências, nem das respectivas artes, sem cometer o ridículo de cair nas mais grosseiras contradições”[7] seria possível usar da mais atual forma de alteração da realidade na construção de imagens – os inúmeros programas de edição – para recontar a história representada e manipulada pelos clássicos e renascentistas? 



[1] Platão, O Sofista, in http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/sofista.html, acessado em 19 de maio de 2010.
[2] BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica.
[3] Souza, Augusto Cesar Cavalcanti de. A fotografia como informação, in: http://www.ufscar.br/~cinemais/artfoto.html, acessado em 19 de maio de 2010.
[4] Kossoy, Boris. Os tempos da Fotografia – o Efêmero e o Perpétuo, Cotia, Ateliê Editorial, 2007
[5] Justificação do Projeto de Lei PL-6853/2010 de autoria do Deputado Wladimir Costa e que tem como objetivo obrigar que imagens utilizadas em peças publicitárias ou publicadas em veículos de comunicação, que tenham sido modificadas com o intuito de alterar características físicas de pessoas retratadas, tragam mensagem de alerta acerca da modificação.
[6] A manipulação da história no ensino e nos meios de comunicação, São Paulo, Ibrasa, 1983
[7] Platão, op. cit.