(Obra realizada juntamente com Renan Marcondes e Cris Garcia)
Imagens disponíveis em http://www.wix.com/renanmc/photographieretouchee
Em O Sofista, Platão, desde o século V a.c., já dizia
que a imagem não é a verdade, mas apenas um simulacro do seria a realidade. E o
semelhante “muito embora realmente não
exista, ele é realmente o que denominamos imagem”[1].
Desde sempre, portanto, as questões ligadas à representação – e as pinturas e
esculturas mais especificamente – sempre tiveram de lidar com o ilusório, até o
advento da fotografia.
A representação concreta da fotografia, inclusive, foi
o motivo da sua contestação enquanto
obra de arte[2] e
largo uso das ciências. A fotografia teria o condão de “transferir a realidade da coisa para sua reprodução”[3].
Essa visão do final do século XIX, porém embora
encontre contestação, parece, incrivelmente, resistir aos tempos. Se Boris
Kossoy[4]
atualmente, divulga as questões
relacionadas às ficções da fotografia, circulam por aí, no Brasil, Grã Bretanha
e França, principalmente, projetos de lei para controlar a manipulação de
imagens sob a justificativa de que “na
fotografia existe a falsa impressão de transposição da realidade, nua e crua,
para a imagem. Há a crença na veracidade absoluta da fotografia, como se ela
fosse um método de fixação da realidade em uma imagem” em
oposição ao que seria, nas artes, “a
plena noção de que se trata tão somente de uma visão do artista acerca da
realidade, transportada para um determinado suporte”[5].
A idéia de realidade da fotografia, ainda
anteriormente à discussão de manipulação digital das imagens, não poderia ser
menos verdadeira. Conforme o citado Kossoy, uma vez que todas as
imagens são montadas, seja através do melhor ângulo, visão ou enquadramento
buscados pelo fotógrafo, até mesmo a fotografia traria em si uma imagem
relativa, retratando algo conforme a ideologia, conceitos, bagagens cultural,
daquele que fotografa. A foto constrói realidades e também é simulacro, também
é o semelhante que, na verdade, não existe.
Como também é menos verdadeira a visão romântica da
manipulação do artista nas obras de arte. Nem sempre as imagens nas artes carregaram
a plena noção de visão do artista acerca da realidade e nem toda a manipulação
do artista voltou-se à representação do belo. De fato, a arte das esculturas
clássicas, das pinturas renascentistas, e até mesmo a arte moderna eram
financiadas, encomendadas por aqueles que detinham poder e que desejavam
divulgar e perpetuar a sua ideologia e visão da história.
Segundo Marc Ferro[6]
controlar o passado ajuda a dominar o presente e legitima tanto as dominações
como as revoluções. Embora falando do presente o objetivo de manipulação não é
exclusividade da vida contemporânea e nem foi privilégio do passado.
A arte, assim, muito antes da possibilidade da
manipulação digital das imagens e da própria fotografia, sempre foi instrumento
da construção de imaginários e controle dos relatos dos acontecimentos, a
depender do seu artista, financiador ou solicitante.
E se ninguém pode “falar de discursos ou opiniões
falsas, ou de simulacros e de imagens, de imitações e de aparências, nem das
respectivas artes, sem cometer o ridículo de cair nas mais grosseiras
contradições”[7]
seria possível usar da mais atual forma de alteração da realidade na construção
de imagens – os inúmeros programas de edição – para recontar a história
representada e manipulada pelos clássicos e renascentistas?
[1] Platão,
O Sofista, in http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/sofista.html,
acessado em 19 de maio de 2010.
[2] BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua
reprodutibilidade técnica.
[3] Souza, Augusto Cesar Cavalcanti de. A fotografia como informação, in: http://www.ufscar.br/~cinemais/artfoto.html,
acessado em 19 de maio de 2010.
[4] Kossoy, Boris. Os tempos da
Fotografia – o Efêmero e o Perpétuo, Cotia, Ateliê Editorial, 2007
[5] Justificação do Projeto de Lei PL-6853/2010 de autoria do Deputado
Wladimir Costa e que tem como objetivo obrigar que imagens utilizadas em peças
publicitárias ou publicadas em veículos de comunicação, que tenham sido
modificadas com o intuito de alterar características físicas de pessoas
retratadas, tragam mensagem de alerta acerca da modificação.
[6] A manipulação da história no ensino e nos meios de comunicação, São
Paulo, Ibrasa, 1983
[7] Platão, op. cit.