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sábado, 19 de maio de 2012

A crítica acabou mesmo na imprensa? Uma revisão dos artigos atuais na Folha de São Paulo.


Quando se fala de crítica, tem-se em mente ainda hoje a crítica do projeto moderno que tinha como objetivo a libertação do indivíduo de dogmas e de um poder centralizador e, consequentemente, a produção de consciência individual com a finalidade de construção de um outro mundo, cujas raízes estão no projeto filosófico de Descartes, Kant, Hegel e Adorno.
Analisamos os textos publicados pela Folha de São Paulo no período de um mês (de 18 de março a 20 de abril de 2012), procurando avaliar a produção da critica e do jornalismo  cultural  atual na perspectiva  da construção da esfera pública, da profissionalização e institucionalização da área e, especificamente, o acesso aos espaços  de discussão, verificando se a crítica moderna, aquela que temos em mente como a figura ideal, ainda persiste ou, em tendo sido substituída, porque o foi.
Do período selecionado houve 13 textos publicados na Ilustrada e na Ilustríssima acerca das artes visuais[1]. Desses,  apenas 2 autodenominavam-se críticas: “Obras de Antonio Malta e Erika Verzutti fogem do circuito politicamente correto” e “Exibição do coletivo BijaRi possui desafio de mostrar arte politizada”, ambos de Fabio Cypriano. Três são textos opinativos, muito mais aproximados ao ensaio, como “Arte ou estandarte” de Sérgio Dávila, editor executivo da Folha;  “As dores do Corpo” de Marcelo Coelho, Colunista da Folha; e “Exercício comparativo – o rapto do debate sobre artes visuais”, do curador Cesar Oiticica Filho. Todos os demais oito textos são apresentações de exposições, aqui no Brasil ou fora, todos escritos por repórteres da Folha ou jornalistas freelancers.
Quanto aos textos identificados como crítica, ambos escritos por Fábio Cypriano, apresentam avaliação da obra cultural e das tendências valorizadas pelo mercado, mas passam, de alguma forma, uma impressão de pessoalidade, como se vê respectivamente em “Obras de Antonio Malta e Erika Verzutti fogem do circuito politicamente correto” e “Exibição do coletivo BijaRi possui desafio de mostrar arte politizada”:
“(...) são trabalhos que abordam estratégias culturais brasileiras, como a gambiarra. (...) São obras, afinal, mais próximas da praça da Sé do que dos shoppings climatizados que pululam na cidade. Que alívio”.
“(...) frente ao circuito de arte nacional que, cada vez mais, se submete a um padrão decorativo de produção, as obras do coletivo BijaRi sugerem que a realidade brasileira não é tão feliz como se supõe”.
Marcelo Coelho, sociólogo, analisa o filme de Wim Wenders, “Pina” na coluna “As dores do Corpo”, que apesar de partir de um texto pessoal, atingem questões amplas sobre a dança, o cinema e o homem, bem diferentes dos tons que assume Fábio Cypriano nas suas críticas personalíssimas.
Aliás, chama atenção que os autores dos textos opinativos não sejam jornalistas culturais. O único jornalista de formação, Sérgio Dávila, tem carreira na cobertura internacional. Sua crítica da exposição de Ai Weiwei no Jeu de Paumme em Paris, “Arte ou estandarte” apresenta-se modernamente como um texto politizado, compromissado de um projeto crítico, propositivo e interventor (provavelmente auxiliado pelo próprio artista que analisa). Dedica-se a encontrar as perguntas deixadas pela exposição e ao mesmo tempo relaciona-a com outras passagens do história da arte.
Por fim, menciono o texto de Cesar Oiticica relevante por ser esse texto uma tréplica ao crítico Flávio Moura. A Folha de São Paulo tem dado, no seu caderno Ilustríssima, espaço para esse tipo de debate: uma reportagem ou ensaio é publicado, no caso uma reportagem sobre o lançamento da coletânea “O mundo é o museu”; uma resposta crítica ao lançamento é feita e, então, uma tréplica é concedida. A mesma estrutura ocorreu novamente em relação ao lançamento do ensaio de Roberto Schwarz sobre o “Verdade Tropical” de Caetano Veloso.
Vejo assim, que a critica politizada, educadora e capaz de emancipar o homem, enfim, a crítica idealizada, ainda existe na imprensa hoje de forma pontual. Mas essa crítica moderna, ferramenta política constituidora de uma esfera pública, não tem mais, de fato, o seu espaço na imprensa. Esse lugar foi devidamente usurpado e atualizado pela internet, onde se realiza de forma mais plena e sem o problema da mediação parcial da imprensa[2]; A rede permite a participação igualitária dada a
“possibilidade que o espaço público online, ilimitado por fronteiras territoriais e temporais, traz de que as pessoas de diferentes localidades, culturas e pensamentos, se comuniquem e que possam, efetivamente, cobrir o mundo todo.(…)” (LACERDA, 2011, p.14).
Além disso, a contemporaneidade caracteriza-se pela falta de um fio universalizante do pensamento e a própria falta do objeto criticável na medida em que não há mais pensamento polarizado. E com a  fragmentação também das categorias artísticas e as transformações no sistema da arte depois das vanguardas, tarefas como compreensão da arte, identificação das suas fronteiras, difusão das informações artísticas significam riscos. E a imprensa não assume esses riscos. Daniel Piza (2003, p.83) identifica a reportagem de debates a mais difícil e mais escassa no jornalismo brasileiro, pela incapacidade de apresentar-se todos os lados da discussão de forma neutra mas com senso crítico.
E dessa perda de função e da crescente complexidade, talvez não só o crítico contemporâneo passou a avalizar a arte e a fazer curadoria mas a própria imprensa esteja tomando para si o papel de curadora, como afirma Maria Prata, diretora de redação da Harper’s Bazaar Brasil[3].
Talvez, o caminho do projeto contemporâneo seja mesmo a publicação de debates públicos de ideias, como parece querer instituir a Folha também no Jornalismo cultural. De resto, o jornal atual situa-se mais nesse papel de curadoria, no qual a avaliação da obra cultural e das tendências do mercado surgem num papel anterior ao da escrita: na seleção do que é publicado. O leitor contemporâneo do jornal diário (PIZA, 2003, p.47) talvez seja uma pessoa que tenha condições, por si, de identificar os interesses do mercado, as induções simbólicas e morais a que está sujeito e prescinda assim de uma crítica expressa.

Bibliografia:
VARGAS, Rodrigo C. Do nascimento aos anos de chumbo, disponível em http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/do_nascimento_aos_anos_de_chumbo, acessado em 02.05.12.
PIZA, Daniel.  Jornalismo Cultural. São Paulo. Ed. Contexto, 2003.
LACERDA, Mariana, et. al. Warren Sack: Comunicação e discussão no espaço público online, 2011, disponível em http://marianadu-arte.blogspot.com.br/2011/06/warren-sack-comunicacao-e-discussao-no.html, acessado em 02.05.12.



[1] Embora a crítica de cinema e de literatura tenha ficado de fora, optei por manter uma crítica sobre o filme “Pina” e outra sobre a coletânea “Museu é o Mundo”, mais por seus temas relacionarem-se à artes visuais.
[2] De fato, a profissionalização e a industrialização da imprensa gerou a utopia da imparcialidade, que o movimento de monopolização da imprensa no início do século XX acabou por enterrar, através da geração de conglomerados poderosos prejudiciais à própria função informativa: o monopólio é, por definição, gerador de assimetria de informações. Essa imprensa conglomerada escancara o fato de que a mediação da imprensa na esfera pública está sempre ligada a um projeto de poder, logo, a imparcialidade é uma impossibilidade.
[3]  Em palestra proferida no no ModaCamp/2012

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Exposição: Cris Garcia: Máscaras do Eu






Esposa, mãe, empresária, filha, estudante…as mil faces de uma pessoa. Mas qual delas é a verdadeira? Todas e nenhuma. Nos angustia ter de sustentá-las e ter de vivê-las querendo vivenciar a nós mesmos. Isso é o cotidiano,
aquilo que nos é dado cada dia (ou que nos cabe em partilha), nos pressiona dia após dia, nos oprime, pois existe uma pressão no presente. Todo dia, pela manhã, aquilo que assumimos, ao despertar, é o peso da vida, a dificuldade de viver, ou de viver nesta ou noutra condição, com esta fadiga, com este desejo. O cotidiano é aquilo que nos prende intimamente, a partir do interior. É uma história a meio-caminho de nós mesmos, quase em retirada, às vezes velada." CERTAU, Michael de. A invenção do cotidiano. 1. Artes do fazer. 13, ed. Tradução de Ephraim Ferreira Alves – Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.
E somos todos "camaleões humanos", tais quais Zeligs, diluídos numa massa de milhões de habitantes, procurando nos adaptarmos e assim constituirmos nossa existência. É disso que fala a obra da Cris com a leveza e a personalidade que lhe é peculiar e imensa!

A discussão é, então, proposta por quem sabe dos papéis que tem e os desempenha com muita propriedade; mas justamente por não se resumir a eles percebe a pressão e a dificuldade de viver sob os mesmos.   

Que papel desempenhamos hoje, aqui, nesse lugar? Onde somos nós mesmos? E o que estamos construindo com as máscaras que escolhemos vestir a cada manhã?

Paulistanos que somos (ou que estamos!), como a cidade que tem mil temperaturas, mil estações todas num dia só, assim somos nós: mil faces ao mesmo tempo. E por trás de tudo isso, há um eu, um nós, um Leonard Zelig sobrevivendo.

domingo, 6 de maio de 2012

Novos índios: a etnogênese como transfiguração de renascimento

RESUMO: Resenha do artigo: Barbosa, Wallace de Deus. O artesanato indígena e os ‘novos índios’ do Nordeste. in: Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional nº 28. Rio de Janeiro: IPHAN, 1999, p.198 – 215. 


A resenha está aqui